- Só lês porcarias.- lá estava a
minha mãe a implicar comigo.
- Porcarias, não! Estes livros
aos quadradinhos ensinam-me muita coisa- replicava eu.
E era verdade. Se assim não fosse, como é que
eu tinha conhecido o “Major Alvega?”, “ O Super-Homem”? “O Capitão América?” e
“O tio Patinhas?” .
Agora que em lembrei do Tio
Patinhas, não desdenhem. Com ele aprendi o valor do dinheiro. Forreta (mão de
vaca, em português do Brasil), naquela altura, anos 70, o pato “triolionário”,
quer isto dizer, mais do que três vezes milionário, ensinou-me que só poupando
se tem. Atrás dele havia toda uma família de personagens que, desde a vóvó
Donalda, ao Professor Pardal, e aos terríveis irmãos Metralha, fizeram parte do
meu tempo dedicado à leitura, do qual nunca me arrependerei.
Um dia, e para provar que não lia
“só porcarias”, fui buscar à estante um livro pesado. Hoje sei que era pesado
no conteúdo mas apresentava-se leve no formato. “Frei Luís de Sousa”, assim se chamava a obra
que tinha em mãos. Teria aí, talvez, uns dez anos. Resolvi lê-lo. Não percebi
nada. Daquela história trágica ficou-me uma frase: “quem és tu Romeiro?” –
“Ninguém”! – foi a resposta. Uns anos mais tarde, outro livro, outra história,
outro personagem, outro diálogo. Era Ulisses na caverna de Polifemo. Também a
ele lhe perguntaram quem era, e ele respondeu : “Ninguém!”. Passei assim a dar
muita importância a esta palavra, pois,
pelos vistos, era muito prática para respostas rápidas.
Entretanto, não tardou muito para
me embrenhar nas “aventuras dos cinco” (às “dos sete” nunca liguei), e passei a
apreciar a gastronomia inglesa desde o pequeno-almoço ao jantar. Sabia o que
comiam os britânicos, e eu, passei a apreciar. Só não gostava de picles, de
resto, acompanhava sempre bem as suas refeições, e nunca tive problemas de
digestão. Ah! Também não engordava a ler. Além do mais, nem podia, pois também
era detetive - sabia escrever com tinta invisível, só para dar um exemplo
simples- daí que, era necessário correr muito na rua atrás de vilões
perigosíssimos, pondo em prática o que líamos nestes livros que nos encantavam.
Se não tínhamos dinheiro para os comprar, havia sempre quem emprestasse, e as
bibliotecas tinham-nos para quem os quisesse ler.
Mais tarde, mas não muito mais,
fiquei a saber muitos pormenores sobre a mitologia grega e entre tantas
personagens, acabei por descobrir o poder das paixões. Só que estas, agora,
eram lidas em coleções povoadas de gente ficcional mas que pareciam de carne e
osso, tal era a veracidade dos dramas vividos entre tantas letras e parágrafos.
Milhares de folhas depois,
descobri que não sou capaz de estar longe deste objeto quase sagrado; o livro.
Do cheiro que carrega, ao poder que aquelas letras possuem para preencherem o
meu dia a dia, sou “livrodependente”
sem que daí advenha prejuízo. Muito pelo contrário. É um vício que não
necessita de reabilitação.
Prof.ª Olga Correia
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