Quando era miúda, a minha mãe
chamava-me a “papa-livros”, porque havia alturas em que um livro de 200 e tal
páginas “desaparecia” numa tarde. Claro que não os papava mesmo… Não era um
monstro-das-bolachas-versão-paixão-pela-celulose-nham-nham! Mas, sobretudo nas
“férias grandes”, era capaz de ler uma aventura da Patrícia ou um livro da Condessa de Ségur ou, mais tarde, um dos da
Daniela sabe o que quer em meia dúzia
de horas. E no dia seguinte queria ir outra vez à única papelaria da vila onde
morava comprar outro!
A certa altura descobri a Biblioteca de Bucelas (onde
vivia, no concelho de Loures), e foi um descanso para os meus pais – e para a
economia do lar! Li tudo da coleção Anita
(sim, ANITA!, qual Martine!!!!), e todos os livros de aventuras e
policiais. Tornei-me fã das grandes personagens de Agatha Christie e adorava
tentar descobrir o vilão da história antes do fim do livro!
Li tudo o que era clássico de literatura infantil, e
às vezes perguntava-me se certos escritores criavam aquelas histórias macabras
para causar pesadelos às criancinhas! Já viram bem a história do Capuchinho
Vermelho?... Credo, que violência! O Lobo Mau come a Avozinha inteira (algo que
me deixava bastante confusa…) e depois o Caçador abre-lhe a barriga, tira a
Avozinha de lá “vivinha da silva”, e enche a barriga do Lobo com pedras (algo
que me causava arrepios… e enquanto aquilo acontecia o Lobo dormia?!!). E o
Pinóquio? Na barriga da baleia, transformado em burro, com um Grilo Falante (os
de lá da terra só comunicavam por monossílabos: “cri”!)… E a Cinderela?
Explorada e maltratada pela madrasta e pelas filhas dela! E no fim a Fada
Madrinha, com um toque da varinha de condão, veste-a de cima a baixo como uma
princesa para ela ir ao baile, e calça-a com belos sapatinhos de cristal e… Ei!
Espera lá! Sapatinhos de cristal?!? Primeira coisa que me vinha à mente: aquilo
tem de ser gelado e desconfortável (sapato de cristal = maleabilidade zero)!!
Segunda coisa que me vinha à mente: o serviço de copos de meio-cristal da minha
mãe, que apesar do “meio” sempre foi “um ver se te avias” para os tentar manter
inteiros, de tão frágeis que eram! Um sapatinho de cristal assim tão resistente
nunca se viu… um sapatinho de cristal que se usa para dançar e tudo e não
parte… Vá lá, Fada Madrinha, conte lá: são de borracha transparente daquela das
sandálias que se usavam a torto e a direito pela petizada e faziam transpirar
imenso, que juntamente com o pó que ia entrando na sandália durante o recreio,
faziam os pés escorregar numa espécie de lama biológica, não são? Sapatinhos de
cristal… nem na Marinha Grande se faz vidro tão resistente!!! E quando chega a
meia-noite? PUFF!, quebra-se o encanto! A Cinderela volta a ter o velho vestido
rasgado e tal… mas o sapatinho de cristal não se transforma. Então porquê??! Tantas
incongruências e questões sem resposta no mundo da literatura tradicional
infantil! Bem, pode-se dizer que desde cedo os livros ajudaram e muito a formar
o meu espírito crítico e a desenvolver a minha capacidade de raciocínio…
Tantos livros me passaram pela mão, desde banda
desenhada (A turma da Mônica, Tio Patinhas, Mickey e companhia…), livros de aventuras, policiais, alguns
romances, livros de poesia, enciclopédias, livros sobre animais e a Natureza em
geral (ainda tenho muitos, entre os quais A
Vida na Terra – um clássico da minha geração!!) … E muitos deles conheci-os
através desse lugar mágico chamado Biblioteca. Ainda assim, confesso, levar os
livros emprestados não me satisfazia a 100%. Ainda hoje sou uma pessoa que
gosta do cheirinho dos livros novos e de ser eu a fazer o
primeiro passeio por entre as páginas nunca antes mexidas. E gosto de os ter.
Nunca deito livros fora, e sou muito apegada a eles – dificilmente ofereceria
um meu livro a alguém. Lembro-me que ficava horrorizada quando via nos livros
que trazia da biblioteca uma página rasgada, ou escrita, ou riscada! O cartão
de leitor foi dos primeiros que tive na vida, muitos antes de ter um Bilhete de
Identidade, que teve de esperar até ir para o 5º ano!
Da minha infância e adolescência ainda tenho uma
vintena de livros. Incluindo manuais escolares! A essas “preciosidades” juntaram-se
há uns anos umas outras, bem mais preciosas: os livros da juventude da minha
mãe! Quando os meus pais mudaram de casa, a minha mãe perguntou-me se não os
queria “lá no escritório”. Claro que queria!!! São mais de cem livros de
autores portugueses e estrangeiros. Os mais novos devem ter uns 30 anos ou
mais! Os mais antigos já têm para cima de meio século, páginas amarelecidas, a
cheirar um pouco a mofo… mas são uma delícia!
Quais e-books e e-readers, quais carapuça! Não há sensação
no mundo comparável à de folhear um livro e partir à descoberta do que todos
aqueles simbolozinhos juntos em grupinhos maiores ou menores (as letras que
formam as palavras, que formam o parágrafo, que formam o texto) querem dizer!
Porque ler, ao fim e ao cabo, é um ato de magia! É ou não é? J
Os “sapatinhos de cristal” tal
como imaginava que eram realmente!
Ler
Ler é viajar em low-cost
E ao mesmo tempo em primeira-classe,
Voar alto, mesmo sem asas,
Sentir o íntimo a transformar-se…
É libertar a imaginação,
É envolver-se e rir e chorar,
E ver com o coração
O que quem não lê não consegue enxergar.
E é teleportar-se para outros mundos,
Conhecer seres bem intrigantes,
É lembrar-se da nossa pequenez
Ou fazer-nos sentir gigantes.
É deslindar crimes e mistérios,
É perseguir bandidos e ser herói,
É ser príncipe ou princesa ou rei,
Viver outra vida que deleita ou que dói.
Ler é nadar num mar de palavras,
E deixar-se ir num remoinho de emoções,
É enriquecer e alimentar a alma,
É aprender infinitas lições!
Ler é sonhar num leito de papel,
É dar a mão ao conhecimento,
Deixar-se embalar em prosas e poesias,
Que palavras impressas não as leva o vento!
Ler, para mim, é viver!
É viver um eterno renascer,
Uma vida em que tudo é possível,
Exceto viver a vida sem ler…
Prof.ª Alexandra
Linares
Sem comentários:
Enviar um comentário