A Crise Académica de Coimbra aconteceu há 50 anos - 1969
- 2019
Sabias
que se comemora, este ano, o 50.º aniversário da Crise Académica de Coimbra? A
mesma teve início a 17 de abril de 1969, quando Américo Tomaz não deu a palavra
aos estudantes! Foi, então, que a luta pela democracia em Portugal
"começou a vestir o traje de Coimbra!"
A
professora Ana Isabel preparou uma exposição sobre esta temática, na Biblioteca.
Quando Américo Tomaz não deu a palavra aos estudantes,
a luta pela democracia em Portugal começou a vestir o traje de Coimbra. A Crise
Académica de 1969 aconteceu há 50 anos.
Texto republicado e
alterado por ocasião dos 50 anos da crise académica de 1969.
17
de abril de 1969. A Universidade de Coimbra estava a inaugurar o Departamento
de Matemática e o presidente Américo Thomaz seguiu para a capital dos estudantes
com o ministro da Educação, José Hermano Saraiva, numa época em que a
contestação estudantil estava em alta. Quando a comitiva chegou a Coimbra foi
recebida por um mar de capas negras com cartazes em protesto. Estavam nas ruas
e nas faculdades e não havia forma de o regime as ignorar.
Américo Thomaz
entrou no novo edifício e discursou perante um público de apoiantes, até porque
os estudantes foram mantidos fora da Sala 17 de Abril, onde a reunião estava a
acontecer. No final do discurso, o presidente da Direcção-Geral da Associação Académica
de Coimbra (Alberto Martins, hoje um destacado militante do PS, ex-ministro da
Justiça) sobe para cima de uma cadeira com a capa aos ombros e diz: “Em nome
dos estudantes de Coimbra, peço a palavra”. A palavra não lhe foi dada: o
Presidente da República, mesmo atrapalhado, introduz o discurso do ministro das
Obras Públicas e a sessão termina logo a seguir. Foi a gota de água: as vaias
que acompanharam a saída da comitiva anunciaram o início da Crise Académica de
1969.
Ainda
a 17 de abril, Alberto Martins foi detido e passou a noite na cadeia. A
comunidade estudantil estava pronta para agir, mas fê-lo a partir de 22 de
abril quando oito estudantes da Universidade de Coimbra foram suspensos e
proibidos de assistir às aulas. A Assembleia Magna decretou luto académico e as
aulas foram substituídas por reuniões e debates precisamente na sala nova da
Universidade. O governo adjetivava as iniciativas dos estudantes como uma “onda
de anarquia que tornou impossível o funcionamento das aulas”. E apesar de os
meios de comunicação social estarem proibidos de escrever, falar ou mostrar o
que se passava em Coimbra, alguns deles conseguiram fazê-lo de modo subtil. Foi
o caso do Diário de Coimbra, que usava recursos estilísticos para explicar
algumas operações que os estudantes levavam a cabo no centro da cidade.
Quando
José Hermano Saraiva admitiu alguma fragilidade perante a revolta estudantil, a
Universidade fecha mas mantendo o calendário de exames. A Associação Académica
de Coimbra lança então um documento intitulado “Carta à Nação” que pede “uma
universidade nova num Portugal novo” e equaciona uma greve aos exames. Foi como
colocar todos os trunfos em cima da mesa: se os universitários decidissem mesmo
boicotar o calendário de exames estavam a chumbar deliberadamente e a colocar
um pé em África, o que representava uma ameaça direta de serem mobilizados para
as Forças Armadas e enviados para a guerra colonial. Avançaram: mais de 5000
pessoas votaram a favor do boicote e menos de 200 anunciaram que iriam fazer os
exames.
A
Academia dividiu-se assim entre “grevistas” e “fura greves”: a 2 de junho – uma
segunda-feira e o primeiro dia de greve – vários estudantes chegaram à
universidade acompanhados pelos pais. Uns iam obrigados pelos próprios, que não
queriam ver as propinas investidas em Coimbra a serem perdidas em nome de uma
crise; outros porque temiam as consequências no final desta onda de revolta; um
grupo importante fazia-o por convicção, como o liderado por José Miguel Júdice.
Ao
longo dos dias de exames os estudantes agitaram a cidade: uns distribuíam
flores pelos habitantes de Coimbra, outros lançavam balões com mensagens de
ordem nas praças. A profusão era tanta que a Guarda Nacional Republicana
invadiu o espaço urbano e chegaram até a circundar a Sé Velha de Coimbra. Em
julho chegaram os números: quase 87% dos estudantes tinha faltado aos exames.
Os outros 13% viram os seus rostos espalhados na cidade com o título de
“traidores”.
Entretanto,
a 22 de junho, realizava-se a final da Taça de Portugal: nas meias-finais –
disputadas a 15 de junho – os estudantes da equipa da Académica tinham vencido
ao Sporting por 1-0. Lisboa encheu-se de capas negras e de cartazes de
protesto: no estádio, onde a Académica ia jogar contra o Benfica, esperava-lhes
um enorme aparato policial. Mas não o Presidente: pela primeira vez, Américo
Thomaz faltou ao evento e o jogo de futebol nem sequer foi transmitido pela
RTP, ao contrário do que já então era habitual. No final, os estudantes saíram
derrotados por duas bolas a uma, mas não foi essa derrota que impediu os
jogadores de colocar as capas aos ombros, em sinal de luto.
Apesar
da persistência dos estudantes, muitos deles acabariam por ser obrigados a
abandonar os estudos e a seguir para África. A Estação de Coimbra-B
encher-se-ia de antigos universitários que agora iriam vestir a farda
portuguesa noutro continente. Nem nesse momento os jovens se calaram: gritavam
em protesto contra a guerra e contra o regime. Em 1987 a Assembleia da República
Portuguesa votou que o dia 24 de março passasse a servir de homenagem à
comunidade universitária que lutou pela liberdade em Portugal: estava
instaurado o Dia Nacional do Estudante.