O
cinquentenário da Revolução do 25 de
abril será celebrado, na nossa escola, com diferentes iniciativas,
nomeadamente com exposições alusivas a
esta efeméride em vários espaços da escola-sede, incluindo a Biblioteca, com
tertúlias, com a publicação de testemunhos escritos, em vídeo e também em áudio
de quem viveu o 25 de abril em pleno e recorda como era a vida no tempo da
Ditadura (disponibilizadas na plataforma Teams da escola, no blog e Facebook da
Biblioteca Escolar)…
Essas
iniciativas visam não só lembrar e honrar a Revolução dos Cravos, como também promover
a reflexão sobre os valores democráticos e os direitos humanos, incentivando os
alunos a compreenderem e a valorizarem o significado deste marco histórico, que
ditou o fim de 48 anos de Ditadura.
Começamos
com um texto da professora Olga Correia e com a entrevista realizada pela aluna
Yara Garcias, do 6º D.
Prof.ª
Helena Silva
“Sempre
que se aproxima uma comemoração, as pessoas entusiasmam-se, falam do assunto, e
muitas delas tentam perceber se ainda têm a mesma vontade de ver tudo com os
mesmo olhos de sempre.
Amanhã
mais um dia no horizonte: o cinquentenário do 25 de
Abril. Foi tão lá para trás que aconteceu. Em 1974. Era tudo tão diferente,
e a diferença maior? O uso da palavra mais querida de todas - LIBERDADE- não se
fazia, e parecia condenada a desaparecer, aqui neste pequeno país dominado por ideais
tão resistentes à mudança.
Mas
depois aconteceu. Na vontade de alguns, neste caso, militares, foi possível
fazer a diferenças. Se foi fácil? Não! Uma Revolução democrática, só vence se
houver vontade comum. Uma Revolução democrática só vence se houver justiça para
todos. Uma Revolução democrática, só vence, se a LIBERDADE que se quer para
todos, não seja só usufruto de alguns, pois a LIBERDADE traz muita
responsabilidade: nela se vivem DIREITOS, mas também os DEVERES. Uma Revolução
democrática nunca está concluída, precisa constantemente de atenção a poderes
ambíguos e mal-intencionados. Uma Revolução democrática, traz vida e vontade de
fazer melhor, traz necessidade de intervenção construtiva, de participação,
onde o respeito mútuo nunca se perca, se esboroe por entre arrogâncias e
abordagens individuais, pois a vida democrática inclui uma SOCIEDADE com capacidade
de dar e exigir, e trabalhar para o bem comum. Este dia, 25 de Abril, não pode
ser só um eco de discursos e boas vontades, tem de ser um dia em que não
podemos esquecer o porquê de ter
acontecido.
Todos
juntos, entre aqueles que o viveram, os que ouviram falar, os que o estudaram, todos
aqueles que não o querem esquecido, com todos, é possível construir, manter,
exigir, que a justiça e a liberdade, que
são os reais esteios de uma verdadeira democracia, não nos escapem por entre
discursos fáceis de encantar. “
Prof.ª
Olga Correia
Entrevista
sobre o 25 de Abril
Entrevistador/a:
Yara Garcias 6ºD
Nº21
Entrevistado/a: Sr. José Bizarro, nascido a 1954, entrevista
realizada a 12 de abril de 2024.
Pergunta: Quantos anos tinha
quando ocorreu o 25 de Abril?
Resposta:O
meu nome é José Bizarro, natural de Marinha Grande e tenho 70 anos de idade.
Quando aconteceu o 25 de abril de 1974 tinha 20 anos e estava em Coimbra a estudar
num curso de engenharia na U. Coimbra.
Pergunta: Como soube que ocorreu
o 25 de Abri
Resposta: Na
noite de 24 para 25 de abril pelas 23 horas estava deitado a ouvir rádio (coisa
rara) e o Rádio Clube Português (hoje Rádio Comercial) transmitiu a canção do
Zeca Afonso “Grândola Vila Morena”; achei estranho, já conhecia a canção, mas o
disco estava proibido pela censura. Acordei no dia 25 pelas 8 da manhã com os
meus companheiros de casa (mais madrugadores do que eu) a anunciar que tinha
havido uma revolução militar.
Pergunta:Ficou
contente? E o que fez em relação ao acontecimento? Resposta:Claro que fiquei radiante.
Viemos para a rua confirmar o que tinha acontecido e se tinha tido êxito, pois
já tinha havido outras iniciativas anteriores que não tinham resultado.
Pergunta: porque ficou contente?
Resposta:Para
os rapazes da minha idade o principal problema era a mobilização para a guerra
nas ex colónias Guiné Bissau, Angola e Moçambique. Além dos riscos de vida
inerentes a uma guerra eram também cerca de 3 anos de vida perdidos numa causa
injusta.
Pergunta: Durante o Estado novo
como era a escola?
Resposta:Durante o periodo do
fascismo, até ao 9º Ano as escolas (na altura havia a Escola Comercial e
Industrial numa vertente mais de escola profissional e o Liceu para quem
pensava seguir um curso universitário. Em ambos os casos, até ao 9º ano havia
uma divisão da zona masculina e da zona feminina incluindo corredores pátios e
recreios. Só no 10º e 11º as turmas eram mistas. As raparigas vestiam bata
(obrigatório).
Pergunta:
Como se deviam comportar as pessoas em casa ou em encontros de amigos ou
familía?
Resposta:No
meu caso não notei limitações em casa. Toda a gente sabia que não podia haver
grupos na rua de mais de 3 ou 4 pessoas e claro falar de política em público.
Vivíamos uma época em que por exemplo quem usava isqueiro para acender cigarros
era multado se não tivesse um documento chamado “licença de isqueiro”.
Pergunta: O que pensa de
Salazar?
Resposta: O
Salazar era a imagem de um país parado no tempo muito fechado ao exterior. Com
a sua progressiva incapacidade sucedeu-lhe Marcelo Caetano que queria passar a
mensagem de um país mais aberto. Como a PIDE tinha uma imagem tenebrosa, embora
utilizando a mesma organização passou a designar-se DGS (Direção Geral de
Segurança).
Pergunta: Sabe quem era a PIDE?
Resposta: A
PIDE mais tarde DGS era uma organização encarregada de controlar tudo o que
pudesse pôr em causa a segurança do Governo ditatorial da época; quer fosse
atividades da chamamada “oposição” ou analisar e censurar todos os textos publicados
incluindo os jornais diários. Em Coimbra morava na rua Antero de Quental,
curiosamente a mesma rua da sede da PIDE-DGS.
Pergunta: Ja foi interogado ou
preso pela PIDE?
Resposta: Eles
nunca solicitaram os nossos “serviços” e ainda bem. Nós éramos discretos e eles
também.
Pergunta:
Conhece alguém que foi preso ou interogado pela PIDE?
Resposta: Quando
tinha 5 anos de idade o meu pai foi preso pela PIDE por pertencer à direção de
uma coletividade chamada Sport Operário Marinhense que ainda hoje se mantem
em atividade. Esteve preso 4 meses sem
culpa formada e recordo-me de ir com a minha mãe visita-lo duas vezes à prisão
do Aljube em Lisboa.
Pergunta:
Acha que o 25 de Abril foi impprtante para Portugal? Por quê?
Resposta: A
revolução do 25 de Abril veio recuperar a identidade de uma população deste
país nos seus usos e costumes, embora com alguns excessos naturais de quem
esteve oprimido e pior ainda reprimido durante tantos anos.
Pergunta: Onde estava no dia da
revolução?
Resposta: No dia 25 de Abril de
1974 estava como já disse em Coimbra.
Pergunta: Que impacto teve o 25
de Abril na sua vida?
Resposta: O
maior impacto teve a ver com o maior acesso à cultura, a opiniões diversas;
surgiram na altura dezenas de partidos polítcos e a chamada “música de
intervenção” teve o seu melhor momento de criatividade.
Pergunta:
Como era o trabalho, a alimentação e o vestuŕaio na altura do Estado novo?
Resposta: As
relações laborais eram diferentes na indústria e na agricultura. Embora a
exploração dos trabalhadores fosse comum, na indústria e serviços
administrativos as pessoas tinham o emprego duradouro, na agricultura o
trabalho era sazonal sendo os trabalha dores contratados quase como se fosse um
leilão de escravos. A alimentação era baseada nas hortas e capoeiras, ou seja
legumes,coelhos e galinhas de produção própria. Embora não fosse muito
frequente, é famosa a frase “uma sardinha dava para alimentar 3 pessoas”.
Quanto ao vestuário só havia roupa importada para quem tinha capacidade
económica para tal. Curiosamente e tavez por isso havia muitos alfaiates e
costureiras para fazer roupa por medida. Havia também o costume de ter uma
roupa melhor para vestir ao domingo.
Pergunta:
Alguns exemplos de coisas que pode fazer e dizer atualmente que não podia fazer
na altura do Estado novo?
Resposta: A
revolução vai fazer 50 anos, pelo que já é difícil responder a essa questão. O relatado anteriormente dá uma
pequena ideia sobre o assunto.
Pergunta: Ha alguma história que
queira relatar?
Resposta: No
ano anterior ao 25 abril 1974 ainda vivi algumas cargas da polícia de choque, o
que nos obrigava a estar em boa forma física para “salvar o pêlo” de levar umas
cacetadas. Aprendi ràpidamente que as Escadas Monumentais de acesso à
Universidade têm 5 lanços de 25 degraus e que para conseguir fugir à polícia
com êxito os 125 degraus tinham que ser subidos com toda a energia de 3 em 3.
Já não é do meu tempo, mas os confrontos entre estudantes
e polícias era uma coisa frequente. Os polícias além do capacete, escudo e
viseira levavam também cães para intimidar os estudantes.
Num desses confrontos os estudantes levavam gatos escondidos nas suas capas.
Quando a polícia soltou os cães os estudantes largavam os gatos e escusado será
dizer foi a confusão geral! Acho que polícia nunca mais utilizou cães para
reprimir os estudantes.
Pergunta: Gostava que salazar
voltasse? Porque?
Resposta: O
Salazar e tudo o que ele representa deve ser recordado na sua vertente
histórica como exemplo do que não deve acontecer nunca mais.
Entrevista
realizada por Yara Garcias – 6º D