Ontem, pelas 17h30, no Mercado de Sant’Ana, teve lugar a sessão de entrega de prémios aos vencedores do Concurso de Escrita Criativa em homenagem ao nosso Prémio Nobel da Literatura - José Saramago.
O 1º prémio do ensino secundário foi atribuído à aluna Mariana Faria Pereira ( do 12.º A) do AE Henrique Sommer da Maceira, autora do conto “Ser Feliz no mundo Real”.
No evento, estiveram para além de outras personalidades do Diretor da Escola, Professor Jorge Bajouco, a professora bibliotecária e os pais da aluna.
Foi um cerimónia simples, mas repleta de significado.
Muitos parabéns a nossa aluna Mariana! Foi um prémio bem merecido.
Poderão ler, em seguida, o conto da aluna…
Ser Feliz no Mundo Real
“Desprendeu-se a vontade de Baltazar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda.”
Suspiro ao ler esta última frase do “Memorial do Convento” ... Olho pela janela e apercebo-me que o sol já se está a pôr. Passei a tarde toda na biblioteca a ler. Pouso o livro à minha frente e falo num sussurro escondido:
-Ei Blimunda, se as vontades conseguiram fazer voar uma passarola e Baltazar conseguiu contornar o seu destino, ficando contigo, não achas que eu conseguiria contrariar as leis do tempo se a minha vontade fosse grande o suficiente? Às vezes desejava conseguir parar tudo à minha volta... O tempo parece estar constantemente a passar, sem nos deixar fazer tudo aquilo que queremos.
- Seriam necessárias mesmo muitas vontades... Mais de duas mil com certeza... Não importa o que faças, o tempo não para. Não importa o quanto te debatas, o tempo não volta atrás. É essa a inexorabilidade do tempo. - responde-me Blimunda, pairando em cima de mim.
-Vais morrer de qualquer maneira, portanto, para quê sequer tentares? - questiona Ricardo Reis subitamente sentado ao meu lado direito.
-Pois sim, doutor Reis, como se fosse assim tão fácil simplesmente deixarmo-nos levar-murmuro eu de uma forma irónica, enquanto o olho de esguelha- Somos humanos sabe? É impossivel não sofrer nem sentir tristeza... Não houve por aí umas “lágrimas absurdas”?
Após eu dizer isto, ele desvia o olhar, carrancudo. “Ah, ele bem sabe que eu tenho razão”, penso eu enquanto sorrio tolamente.
-Eu acho que, independentemente das circunstâncias, deverias aproveitar ao máximo o teu tempo enquanto podes, na certeza, um dia, de que fizeste tudo aquilo que desejavas. Imagina que ficas repentinamente cega num futuro próximo…- diz a mulher do médico, surgindo do lado esquerdo.
-Hmm... Não me parece que isso venha acontecer, mas acho que tem razão...deveria arranjar tempo para ser feliz no mundo real, não acham?
Todos concordaram, e foi dessa forma que a nossa conversa naquela tarde terminou.
Muita gente acha que eu estou “sempre com a cabeça na lua”. Já perdi a conta do número de vezes que me disseram isso e acredito que ouvirei essa mesma frase muitas mais vezes até ao fim da minha vida. No entanto, não poderiam estar mais enganadas. É verdade que me encontro mais vezes distraída do mundo real, no entanto, não é na lua que se encontra a minha cabeça: ela encontra-se no meu próprio mundo, aquele que eu criei através da simples e fantástica imaginação.
Não sofro de “Maladaptative Daydreaming”: não me distraio da realidade por pura necessidade e não considero o meu comportamento de todo compulsivo. Apenas acho o mundo real bastante aborrecido. Para quê dar-lhe atenção quando posso divertir-me muito mais facilmente na minha imaginação? Posso ir buscar a Blimunda, a mulher do médico, o Ricardo Reis, posso retirar todas as personagens do “Memorial do Convento”, do “O Ano a da Morte de Ricardo Reis”, do “Ensaio sobre a cegueira” e recriá-las no meu imaginário, falar com elas, interagir, imaginar-lhes uma vida para além daquela das páginas daqueles livros. Libertá-las e libertar-me a mim mesma nessa fuga da realidade.
Enquanto reflito sobre isto, surge-me de novo o trio. Sim, Blimunda, Ricardo Reis e a mulher do médico.
-Mais tempo para seres feliz no mundo real, lembras-te? – dizem em uníssono, como se tivessem lido o meu pensamento.
Sinto uma tristeza invadir-me. Será que não me querem como companhia?
Foi nesse momento que uma luz na minha mente se acendeu. Saí a correr da biblioteca, ofegante e confusa, só parando no átrio para recuperar.
Talvez eles tivessem razão, talvez devesse dar uma chance à realidade. Talvez não lhe esteja a dar hipóteses suficientes para provar o seu valor. Talvez pudesse procurar amigos na realidade, como aquela rapariga que acabou de passar por mim, e talvez possamos até ser amigas no futuro. Talvez nem tudo seja tão mau e ser feliz não signifique que tudo tenha que ser obrigatoriamente bom, mas, sim, darmo-nos por satisfeitos com aquilo que temos. Talvez deva tentar procurar a minha felicidade no aqui e agora. Acho que vou tentar.
Num tom envergonhado, de quem vive quase desadaptada, esboço um sorriso à rapariga que passa e meto conversa. Sem grandes formalidades apresento-me e venho a descobrir que temos bastantes pontos em comum. Começo a acreditar que a realidade me poderá ser suficiente. Ela propõe-me uma ida para relvado, o mesmo onde tantas vezes eu estivera com os meus outros amigos, que não ouso confessar-lhe que tenho. Atravessamos o átrio e passamos pela entrada da biblioteca que fica a meio caminho da porta de saída. Olho de esguelha e tomo uma decisão.
Formulo um “obrigado” silencioso e sigo caminho com a minha nova amiga...tenho a sensação de que nunca mais os voltarei a ver.
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